Paranaense em três atos

capaparan-1519794534-28.jpg

PRÓLOGO

[1915, Província do Paraná]

(Fábio Galão)

O Campeonato Paranaense acompanhou a evolução do Estado. Em 1915, quando havia pouca população no território do Paraná além do Litoral, da região de Curitiba e dos Campos Gerais, o primeiro Estadual foi disputado por apenas seis equipes – quatro da Capital e duas de Paranaguá.

Internacional Foot-Ball Club, o primeiro campeão paranaense, se uniria ao América em 1924 para dar origem ao Atlético
Internacional Foot-Ball Club, o primeiro campeão paranaense, se uniria ao América em 1924 para dar origem ao Atlético

Ao longo dos anos, assim como a população paranaense, o número de participantes se expandiu, a ponto de, entre os anos 1920 e 40, o título ser decidido entre os campeões das ligas das regiões citadas. Entre o final dos anos 50 e a primeira metade dos 60, os vencedores do Norte do Paraná, impulsionado pela economia cafeeira, passaram a desafiar os campeões do Sul na decisão do título. Em 1966, após tentativas frustradas, o campeonato foi finalmente unificado, sem divisões por região. Um ano antes, a inauguração da Rodovia do Café já havia dado a impressão de que, a exemplo do que ocorreria com seu principal torneio de futebol, o Paraná estava finalmente unido.

Desde então, quem já sujou os fundilhos da calça em alguma arquibancada paranaense testemunhou jogos históricos, trapalhadas homéricas, jornadas inacreditáveis.

  • img2302-1519771369-63.jpg
  • img2316-1519771376-39.jpg
  • leccampeao-1519856673-98.jpg
  • campeopara-1519858574-94.jpg
  • 1981lecxp-1519858757-75.jpg
  • img2326-1519858556-34.jpg
  • img2344-1519858559-47.jpg
  • posterlec-1519858941-45.jpg

Até que, a partir dos anos 1990 e 2000, essa empolgação foi se perdendo. Em 2003, o campeonato, que chegou a ser disputado de maio a novembro na sua primeira edição unificada, passou a ser espremido nos primeiros meses do calendário do futebol nacional.

Equipes tradicionais do interior foram sendo substituídas por times de empresários, que, não raro, trocam de cidade em busca de um público que nunca vem. Em 2017, a média foi de pífios 3.820 torcedores por partida.

ARQUIVO FOLHA – LEC é campeão do Paranaense em 2014 

As maiores forças do Estado manifestam desprezo pelo Paranaense e dizem que suas prioridades são outras. Outros fatores espantam a torcida: arbitragens polêmicas, fórmulas de disputa absurdas, brigas nos tribunais.

Por trás de tudo, uma eterna sombra: a paixão dos torcedores do interior por times paulistas e gaúchos, em detrimento das equipes locais.

A FOLHA acompanhou três partidas do campeonato deste ano, nas maiores cidades paranaenses, para responder a essa pergunta.

  • (BETA: Este é um projeto da FOLHA DE LONDRINA com novos formatos e experiências em jornalismo imersivo. Uma melhor performance foi verificada em desktop e recomenda-se o acesso com conexões de alta velocidade. Algumas mídias podem ter o funcionamento comprometido em aparelhos móveis. Se encontrar algum erro durante sua experiência, deixe-nos saber multimidia@folhadelondrina.com.br e BOA LEITURA!)

ATO 1

[Estádio Willie Davids, Maringá. Tarde]

(Fábio Galiotto, Marcos Zanutto)

Ida ao estádio envolve cheiros, sabores e personagens que compõem toda a aura de um domingo de futebol

Uma década é o bastante para aquele torcedor que frequenta a arquibancada de um estádio de futebol dizer que tudo era melhor antigamente. A relevância do time do coração pode não ser a mesma hoje em dia, mas, ainda que diferente de outros tempos, acompanhar uma partida in loco é algo que envolve todo um clima, personagens, cheiros e sabores, que aparecem por bem mais do que os tradicionais 90 minutos.

Se a rodada começa às 17 horas, os ambulantes começam a chegar depois do almoço para pegar o melhor lugar. Muitas vezes, encontram os torcedores já em rodas, rádio de pilha na orelha, na porta do estádio, em debates dignos de mesa-redonda.

Para eles, talvez nem fosse necessário um jogo, porque não são poucos os que nem passam do portão de entrada e que ficam ali, conversando. Figuras que chegam a ter o nome mais conhecido do que os próprios jogadores.

Não é preciso nem andar muito para encontrar um desses personagens. É o Papai Noel e vendedor ambulante Lucas Paixão. “Sempre que tem jogo do Maringá, eu venho. Desde 1975”, diz, encostado em um Fusca conversível vermelho repleto de bonecos e camisas, ao lado do estádio Willie Davids. “Coisa de time vende bem, porque brasileiro é fanático pelo jogo. E de todos os times, Corinthians, São Paulo…”

Mais ao lado, um homem conversa com dois amigos calmamente, enquanto faz tricô, em pé, com um grande carretel cinza em meio aos pés. A cena é incomum para um estádio, mas ninguém estranha. Conhecido como JBF, o pedreiro Zezinho Belarmino diz que une os passatempos como forma de “esfriar a cabeça” da correria diária e do nervosismo da peleja. “Vou fazendo durante o jogo, sempre usando a criatividade, conversando com os amigos. Isso traz tranquilidade para mim”, explica JBF. Ele ainda planeja colar um adesivo na caminhonete dele, para que interessados em comprar o artesanato possam encontrá-lo mais facilmente.

AROMA DE FESTA

Fazer exercícios em torno do Willie Davids é uma tarefa árdua em dia de jogo. É difícil não sentir ao menos um cheiro da sua preferência entre aqueles característicos de estádios, que variam de uma região para outra, mas que quase sempre são uma mistura de carne assada, pipoca e batata chips.

Algumas “barracas” trazem novidades, como os food trucks de lanches. Outras, porém, nunca saem de moda. “Todo mundo aqui me conhece como Nelson”, diz o garçom profissional e vendedor de espetinhos Nelson Arruda, que há 40 anos busca complementar a renda em jogos do time da casa.

O garçom conta que a crise econômica pesa no bolso dele e no dos clientes, mas que o desempenho do Maringá também faz diferença. “Quando o time está bem engrenado, é uma média de 10 mil pessoas e não sobra nada”, calcula. “No ano em que o Maringá foi vice-campeão paranaense, vendi mil espetinhos e umas 1,5 mil latas (em um dia). Hoje, se vender R$ 500, já ganhei o dia”, relata Arruda, enquanto interrompe a entrevista para vender “um de linguiça e um de carne”.

O ambulante conta que já trabalhou como vendedor de pastel no interior do estádio, mas que não vê a maioria das partidas. Ele só larga o posto quando o coração de torcedor bate mais forte. “Sou santista e já vi o Pelé jogar aqui. Ganhamos de 11 a 1 do Grêmio, um gol para cada jogador”, diz Arruda. “Quando as vacas estão mais gordas e tem um jogão bom, largo tudo e vou para o campo. Se não, a gente só sabe o resultado.”

TIME DA CIDADE

Dos vários times que representaram Maringá no futebol paranaense, o Grêmio Maringá, que teve duas versões (o Grêmio Esportivo Maringá e o Grêmio de Esportes Maringá), foi o mais bem sucedido: foi tricampeão paranaense nos anos 1960 e 70 e disputou o Brasileiro. Por isso, permanece na memória dos torcedores locais.

Para o aposentado e caminhoneiro Antonio Donizete Henrique, futebol é a diversão de todo fim de semana, independente de quem seja o time da Cidade Canção. “Sou torcedor desde o tempo do Grêmio”, garante. “Lembro de uma quarta-feira, contra o Guarani. Precisávamos ganhar, saímos perdendo, viramos… Era só estádio lotado na época”, afirma, saudoso.

Com a cidade hoje representada pelo Maringá Futebol Clube (fundado em 2010), Henrique lembra da derrota na final do Campeonato Paranaense de 2014, para o arquirrival Londrina: “O Maringá saiu perdendo, conseguiu o empate, foi para os pênaltis, mas perdeu. Ficamos tristes, mas sempre acreditando que uma hora vai dar certo”.

NOVOS PERSONAGENS

A prova de que o mundo do futebol não é estático – e é bom que seja assim – está nos novos personagens que passam a compor a paisagem e o clima nos estádios. O primeiro duelo do Maringá em casa no atual Campeonato Paranaense foi também a estreia da animadora de festas e contadora de estórias Lilian Gadani como responsável pela pintura facial da torcida. “Alguns se pintam e a maioria tem um pouco de medo, mas futuramente vai pegar, com todo mundo preparado para a ‘guerra’”, brinca.

E Gadani foi pé-quente. Depois de duas derrotas consecutivas, o Maringá venceu o Toledo por 3 a 1, no último dia 28 de janeiro.

ATO 2

[Estádio do Café, Londrina. Tarde]

(Victor Lopes, Gina Mardones)

O Paranaense já não é mais o mundo para os torcedores do Londrina. Mas ainda faz esquentar o sangue de muita gente

De bate-pronto, é bom deixar claro: esta reportagem contém doses cavalares de paixão e parcialidade. Acompanhar o Tubarão pelo Campeonato Paranaense é algo trivial para este repórter torcedor, desde os tempos em que os três pontos vinham a conta-gotas. Nos últimos anos, o cenário mudou: agora temos “gestão”, “profissionalismo”, “calendário” – palavras da moda no Londrina Esporte Clube. Talvez por isso, para muitos (e me coloco neste balaio) o Estadual perdeu um pouco a graça, arrefeceu, ficou em segundo plano. Temos outros sonhos: a elite do futebol nacional é quase uma obsessão. O Paranaense? Um protocolo, uma obrigação.

Mas acompanhar um jogo do Estadual – mais especificamente, pela quarta rodada da Primeira Taça, contra o Cianorte – também mostra que existem alguns tantos torcedores que não estão nem aí para a “grife” do campeonato. A paixão é grande, o nervosismo idem, e os gritos que já começam fora do estádio do Café não são mais baixos porque se trata de uma partida menor. O sangue é quente, em qualquer ocasião.

UM NOVO OLHAR

Só que é preciso admitir: os tempos são outros para o Paranaense. O novo status conquistado pelo LEC mudou a forma de se olhar para o Estadual, principalmente para quem está comercialmente ligado ao time. Caso da Karilu, empresa de material esportivo que fabrica os uniformes do Tubarão há aproximadamente 20 anos. Dois dias antes da partida, estamos em uma das cinco lojas da empresa na cidade.

O diretor Carlos Eduardo de Oliveira Bovolin conta que nessa parceria já viu de tudo: quedas de divisão, más gestões, dívidas deixadas por ex-presidentes e, claro, títulos e muita festa. Anos em que foram vendidas míseras 300 camisas e outros, como em 2014, com o título paranaense, em que foram comercializadas milhares delas. “Por muito tempo, o Campeonato Paranaense foi a maior evidência do clube e a nossa empresa, como patrocinadora, esperava muito esse momento. Era a única competição que o clube tinha para disputar no ano, havia todo um planejamento para que as coisas acontecessem em janeiro”, lembra Bovolin.

Há dois anos, com a volta à Série B, a estratégia comercial mudou. Agora, a empresa deixa para lançar a “camisa da temporada” entre março e abril, mais perto do Brasileiro. “Pensando no Londrina, (o Paranaense) acabou se tornando secundário. Mudamos a data e a venda de camisas diminuiu em janeiro. O torcedor ainda não se acostumou, tem ciúmes porque outros clubes já fizeram o lançamento. É paixão, faz parte”, relata o diretor.

É DIA DE CAFÉ

Ainda faltam quatro horas para o início da partida entre Londrina e Cianorte e o pequeno Nicolas Gabriel, de apenas oito anos, já está uniformizado, com brilho nos olhos.

O jogo tem peso de Champions League para o menino, afinal, ele vai entrar em campo com os jogadores pela primeira vez. Emoção para ele e seus pais: o auxiliar de expedição Benedito Aguiar Novaes e a babá Luciane da Costa Novaes.

Moradores do Jardim Santiago 2, estamos falando de uma família de torcedores “raiz”, usando a gíria do momento. Não importa a partida, os três caminham por cerca de 20 minutos debaixo de sol até o estádio do Café.

A paixão de Novaes começou quando ele fugia de casa, ainda moleque, para acompanhar a construção do Café. Já a esposa pegou a onda mais recente de conquistas, há três anos, já com Nicolas crescendo e se envolvendo com o time. Virou programa de família. “A lembrança que tenho mais marcante do Londrina é do Paranaense, com o gol do João Neves de cabeça (referindo-se ao terceiro jogo da final de 1992, contra o União Bandeirante). Gosto do Estadual, é nosso campeonato, temos que ir, não adianta pensar só na Série B”, salienta Novaes, quase dando uma bronca nos torcedores que só pensam no Brasileiro.

PONTO DE ENCONTRO

Deixamos a família seguir na sua peregrinação ao Café e vamos até um dos pontos de encontro mais famosos da torcida, já na avenida Henrique Mansano: a Petiscaria do Ary, da famosa panceta.

Atrás do estabelecimento, moram o comerciante Ary Leal, sua esposa, Rosalina, e a pincher Glorinha, xodó de quatro anos que fica embaixo do balcão. O estabelecimento abriu em 1995 e de lá para cá a família vive uma montanha russa de emoções com o clube. Para Leal, todo jogo do Tubarão é importante. “Agora no começo do ano, está meio fraco o movimento, ano passado na Série B foi bom. Mas uma coisa é certa: se o Londrina começar a ganhar jogos, não importa o campeonato, o fluxo melhora”, relata ele, que foi pela última vez ao Café em 29 de novembro de 1981, justamente na final do Paranaense, entre Londrina e Grêmio Maringá. Ganhamos por 2 a 1, só para refrescar a memória.

SUBINDO A RAMPA

O bate-papo com os personagens que ajudam a manter vivo o Paranaense continua na rampa de acesso às catracas do Café.

Na bilheteria, muitos torcedores apaixonados comprovam que o campeonato ainda tem sua representatividade. O assistente de agronomia Carlos Roberto Fernandes Junior traz o pequeno Pedro, de cinco anos, desde 2014, justamente o ano do último título estadual. “É um torneio importante, da nossa terra, que valoriza os times do Estado. Eu acho que o torcedor de verdade, os 2, 3 mil que o Londrina tem, esses vêm a todos os jogos. Não sou da opinião de que o Estadual tem que acabar, quem fala isso não curte futebol”, argumenta Fernandes.

Um dos heróis do título de 1992 – autor do gol de empate no segundo jogo da final -, Márcio Alcântara sobe a rampa do Café, agora como torcedor. O afeto que o ex-zagueiro possui pelo Estadual baliza suas palavras. O primeiro que ele jogou foi em 1980. Nas contas dele, disputou cerca de dez campeonatos. “Como ex-jogador, membro da imprensa e torcedor, acho que o Paranaense é muito importante, inclusive para ajudar o Londrina a montar a equipe para a Série B. Na verdade, eu gostaria que o campeonato tivesse ainda mais peso e que o torcedor comparecesse mais ao estádio, principalmente pela representatividade que tem hoje”, diz o hoje comentarista. “Fora isso, é gostoso ganhar dos times da Capital”, cutuca. Pena que está tão difícil ultimamente.

Debaixo do solzão quente, com arquibancada pelando e jogo ruim rolando, um senhor torcedor, de camisa surrada do Tuba, chama a atenção já no intervalo.

O aposentado Francisco Borges Dias, de 69 anos, voltou a morar em Londrina há oito, depois de trabalhar por tempos em São Paulo. Desde então, não perde um jogo do Tubarão. “Viajei pelo Estado em 2014 e para mim não é desculpa o torcedor não vir ao estádio por ser Paranaense. O Estadual tem muita emoção e é um laboratório para as competições maiores. Todos os campeonatos são importantes”, ressalta ele, um dos 1.955 torcedores presentes no Café.

Sem “grife”, o Paranaense sobrevive. Pelo menos para aqueles que amam o futebol.  

A PAIXÃO DOS 22

São apenas 22 a representar a “capital nacional do vestuário” no estádio do Café. A torcida do Cianorte – neste dia, boa parte composta por parentes de membros da diretoria e de jogadores – também acredita que o time precisa valorizar o Paranaense. E olha que estamos falando de um clube que, como o Londrina, também tem calendário para o ano todo. O clube joga o Paranaense, a Copa do Brasil e a Série D em 2018. Está com moral.

O operador de máquinas André Vieira viajou quase 200 quilômetros, de Terra Boa, junto com a namorada, a atendente Daiane de Paula. “A cidade está mobilizada com o time, e isso inclui o Paranaense. Ano passado, chegamos às semifinais, sempre estamos nas cabeças. Na minha opinião, é um campeonato que ainda vale a pena”, justifica.

O funcionário público Reinaldo Evangelista dos Santos tem a mesma opinião. Ele garante que, se o jogo está num raio de 200 quilômetros de Cianorte, viaja para apoiar o time.

“É uma maneira de divulgar os times de menor expressão. É uma pena que, nos moldes em que é feito (o campeonato), sempre prejudica os times do interior. É muito mais fácil ficar em casa ouvindo pelo rádio, mas precisamos estar juntos e apoiar”, afirma Santos.

ATO 3

[Estádio Couto Pereira, Curitiba. Tarde]

(Fábio Galão, Theo Marques)

Nem precisa do contraste entre verde e branco e vermelho e preto na arquibancada: todo jogo do Atlético é contra o Coritiba, e vice-versa

Integrante do segundo escalão do futebol brasileiro, o futebol paranaense vive de lampejos: um título brasileiro a cada duas décadas, um vice na Copa do Brasil, uma participação na Libertadores. Se não temos times grandes, os que mais se aproximam desse status, sem dúvida, são Atlético e Coritiba.

Os dois são os únicos times paranaenses com títulos da primeira divisão do Campeonato Brasileiro, os que mais se classificaram para a Libertadores, com presença mais constante na elite do futebol nacional…

Localmente, a dupla sobra – têm mais títulos (38 do Coritiba, 23 do Atlético) e são as equipes que mais disputaram finais do Estadual. Atleticanos e coxas-brancas mais extremistas chegam a dizer que o Atletiba é o único clássico do Paraná, em parte para espezinhar o outro membro do chamado Trio de Ferro curitibano, o Paraná Clube, e também para manifestar desprezo pelos times do interior – para diminuir o campeonato do qual são os maiores vencedores, criaram a alcunha “Ruralzão”.

Se é passível de debate o argumento de que não há outro clássico no Paraná, não há como discutir que se trata do maior. Os jogos históricos, o inusitado contraste nas arquibancadas entre verde e branco e vermelho e preto, a mitologia (o apelido coxa-branca foi criado por um presidente atleticano provocador), a rivalidade intensa – mesmo em partidas em que o adversário não é o Coritiba, a torcida do Atlético costuma entoar uma paródia do Pink Floyd cheia de palavrões direcionada aos alviverdes, o que permite tirar a conclusão de que todo jogo do Furacão é contra o Coxa, e vice-versa.

GANHAR SEMPRE

No Atletiba de número 338, disputado em 4 de fevereiro, há um ingrediente extra: é o primeiro reencontro dos rivais desde o rebaixamento do Coritiba no último Campeonato Brasileiro.

“A gente está na frente deles, vamos continuar na frente ainda, sempre jogando eles para baixo. Eles já estão na segunda divisão esse ano, então é um ano em que o que eles querem é ganhar da gente. Então, vamos para cima”, afirma o empresário Daniel Camargo, torcedor atleticano.

O Atlético é um dos responsáveis pelo esvaziamento do Paranaense nos últimos anos, já que vem disputando boa parte do campeonato (ou até inteiro) com um time cheio de jogadores jovens e/ou que não vinham sendo aproveitados, alegando que o torneio é deficitário financeiramente. Os torcedores rubro-negros, entretanto, se dividem sobre a importância do Estadual.

“Eu acho que o Estadual vale bem pouquinho. Tem que jogar com o time reserva a maior parte do campeonato, mas no final tem que jogar para ganhar, botar o melhor time. Porque, um, prepara para outros campeonatos e, dois, ganha título, que é importante para a torcida”, diz o consultor Felipe Furiati.

O autônomo Marcelo Ribeiro discorda dos cartolas atleticanos. “Se a diretoria acha que tem que ter um time alternativo, aí é a diretoria, não é a gente. Nós queremos ganhar sempre”, aponta.

O coxa-branca Paulo Ghignatti, empresário, acredita que os times curitibanos devem valorizar o Estadual pela dificuldade de conquistar outros títulos. “O Coxa, devido ao time que tem, dá o sangue pelo Estadual, porque o Brasileiro está difícil da gente conseguir. É questão de investimento, do próprio time, diretoria”, argumenta.

A professora Josieli de França, esposa de um funcionário do estádio Couto Pereira e que vai a todos os jogos em casa do Coritiba com os filhos Marlon Rafael, de 15 anos, e Miguel, de dois, também valoriza o Paranaense.

“Às vezes, a gente conhece pessoas que falam que começam a acompanhar e vem ao estádio quando começa o Brasileiro; a gente não, desde o começo do Estadual a gente acompanha, porque para a gente é um campeonato tão importante como qualquer outro. A gente sempre acompanha o Estadual”, garante.

PAIXÃO DE TODAS AS IDADES

O pequeno Miguel, que vem ao Couto Pereira desde os três meses, grita: “Coxa doido!”.

O Atletiba é uma paixão que começa cedo: Marcelo Ribeiro e a esposa Aline Almeida levam os filhos Gabriel, 11, e Maria Flor, três, ao lado rubro-negro do estádio do Coritiba.

O Atletiba 338 foi o primeiro jogo em que o casal coxa-branca Ernesto e Ester Wahlers levou os filhos Arthur e Allan ao estádio. “O que nos motivou mesmo hoje foi o preço. Não estava tão alto, então a gente não perdeu essa oportunidade”, explica o pai.

Célia Marques Rodrigues, 67 anos, também está sendo “batizada” no clássico nesta tarde. Torcedora do Santos e moradora de São Paulo capital, foi cooptada para a torcida atleticana pelo primo da nora. Diz não ter receio de acompanhar o Atletiba no lado dos visitantes: “Lá em São Paulo não é diferente, os clássicos são sempre assim”.

BOMBAS E CORRE-CORRE

Em contraponto às famílias e à paixão, a violência mancha todo Atletiba. Relatos de brigas e tumulto em ônibus e terminais pipocam ao longo do dia.

Na entrada do jogo, no setor da torcida atleticana, um segurança avisa à reportagem: “Já foram três BOs aí”. Antes mesmo da bola rolar, bombas estouram dentro do Couto Pereira. Torcedores trocam ofensas e provocações entre as grades. Alguns tentam invadir setores do adversário.

Por incrível que pareça, houve futebol: após um primeiro tempo equilibrado, o Atlético marca logo no início da segunda etapa e tem início uma pressão dos donos da casa pelo empate. A torcida segue cantando, mas, como o gol não sai, o apoio vai sendo substituído pelo desespero. Com a tensão reinando entre os alviverdes, por vezes o canto da torcida atleticana se sobrepõe ao ruído da maioria coxa-branca. Os rubro-negros acendem sinalizadores, as provocações de “segunda divisão” ganham força.

O jogo chega ao fim com derrota do Coritiba, mas um coxa-branca encontra consolo repetindo para quem está em volta: “A gente ganha deles na final!”. O Atletiba nunca termina.

EPÍLOGO

(Fábio Galão)

O novo estatuto da CBF, aprovado no ano passado, atribuiu peso maior aos votos das federações estaduais nas eleições da confederação – peso 3, enquanto os votos dos clubes da Série A do Campeonato Brasileiro têm peso 2 e os dos clubes da Série B, peso 1.

Para uma entidade que teve sua cúpula acuada por denúncias de corrupção nos últimos anos e presidida até dezembro por um dirigente que evita viajar para fora do Brasil por receio de ser preso, barganhar com os mandatários das equivalentes estaduais é certeza de obter o resultado esperado, ao contrário do que acontece com os clubes, que, bem geridos ou não, são os únicos que alimentam alguma pretensão de modernizar o futebol brasileiro.

O principal produto oferecido pelas federações são os campeonatos estaduais. Se eles dão prejuízo, geralmente fica para os clubes. Por vezes, surgem tentativas de substituir essas disputas por torneios mais abrangentes e atrativos – alguns dão certo, como a Copa do Nordeste, enquanto outros, como a Primeira Liga (vencida pelo Londrina em 2017), caminham para uma morte precoce.

No Paraná, para quem não tem alguma divisão do Brasileiro a disputar, a única alternativa ao fim do Estadual é a Taça FPF (Federação Paranaense de Futebol), ainda menos atrativa que o Paranaense.

Ante o desinteresse da maioria da torcida, o desprezo dos grandes clubes e a indiferença da FPF, que não toma atitude alguma para valorizar seu melhor produto, ainda há corações que batem pelo Campeonato Paranaense, como a FOLHA mostrou. Porém, é uma atenção insuficiente para tornar o Estadual sustentável.

Um gigante de 103 anos respira por aparelhos – sua existência é uma sobrevida artificial.  

CONFIRA A VERSÃO DIGITAL DA EDIÇÃO IMPRESSA CLIQUE AQUI OU RECEBA O CADERNO NA SUA CASA CLIQUE AQUI.

BACKSTAGE

PARANAENSE EM TRÊS ATOS: Quem ainda se importa com o Estadual?

DATA DE PUBLICAÇÃO 10 de Março de 2018

TEXTOS Fábio Galão, Fábio Galiotto Victor Lopes

IMAGENS Gina Mardones, Gustavo Carneiro, Marcos Zanutto e Patrícia Maria Alves

IMAGENS HISTÓRICAS retiradas dos livros Londrina Esporte Clube: Em Fatos e fotos de Jefferson de Lima Sobrinho e Futebol do Paraná: 100 anos de História de Heriberto Ivan Machado e Levi Mulford Chrestenzen

APOIO LOGÍSTICO Jenes de Almeida

INFOGRAFIA Folha Arte

ILUSTRAÇÃO Gabriel Curtti

PROJETO GRÁFICO E DESIGN (IMPRESSO) Anderson Mazeo e Gustavo Andrade (WEB) Patrícia Maria Alves

EDIÇÃO DE TEXTOS Fábio Galão

PRODUÇÃO/EDIÇÃO MULTIMÍDIA Patrícia Maria Alves

SUPERVISÃO DE PROJETO Adriana De Cunto (Chefe de Redação)

AGRADECIMENTOS