#Sinta Londrina

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INTRODUÇÃO

Embarque com a reportagem da FOLHA na aventura sinestésica proposta por este especial de aniversário da cidade, que no dia 10 de dezembro chega aos 83 anos. Aguce os cinco sentidos e perceba Londrina de formas diferentes. BOA VIAGEM!

AUDIÇÃO

A audição é o primeiro dos cinco sentidos desenvolvidos pelo ser humano. Logo que nascemos, criamos uma grande capacidade auditiva, que é a referência enquanto os olhos não conseguem identificar tudo. Na pequena Londres, o som é variado e democrático, assim como as emoções que ele provoca. É a torcida do Tubarão no Estádio do Café, a música das casas noturnas, barzinhos e de grupos musicais tradicionais. É o anoitecer que não impede que fábricas continuem funcionando. O calçadão com sua mistura sonora. Tudo se une em uma cidade que está sempre pronta para emitir um novo som.

“ALÔ DONA DE CASA, ESTÁ PASSANDO O CARRO DOS OVOS”

AS VOZES QUE SE TORNAM UMA

“Quando pisa no gramado, sempre estarei ao teu lado. Noventa minutos sem parar de cantar, nós vivemos para te amar”

POR PEDRO MARCONI

Assim como um coração que pulsa, no futebol não basta apenas assistir. É preciso sentir. E os diversos sons fazem de um estádio de futebol um espaço de todos e para todos que estão inseridos neste processo. Time que leva com maestria o nome da cidade para todo o Brasil, o LEC (Londrina Esporte Clube) ecoa todas as suas ações em campo nas arquibancadas. Seja no grito de incentivo, lamentação ou o de gol – o ápice deste esporte –, as vozes dos torcedores não passam incólumes em um jogo sequer.

O CANTO DA TORCIDA

Na ferradura do Estádio do Café, os estilos de quem gosta de torcer se dividem no palco esportivo. Tendo o brilho do céu e os prédios que cortam as nuvens como paisagem, aqueles que ficam do lado direito mantêm uma postura ativa durante todo a partida. Entre grupos de amigos e casais espalhados por toda a arquibancada, é a torcida organizada do time alviceleste que se destaca com seus cantos, batuques e palavras de ordem.

LUIZA BETY
LUIZA BETY

“Quando pisa no gramado, sempre estarei ao teu lado. Noventa minutos sem parar de cantar, nós vivemos para te amar”, declaram os fervorosos torcedores em um de seus hinos. Os mais contidos ainda se animam entre um som e outro e somam ao cantar junto ou incentivar nas palmas. Bandeiras que tremulam e um escudo do destemido Tubarão compõem a festa. “O som hoje está ótimo”, define a enfermeira aposentada Luiza Bety.

No auge dos seus 63 anos, ela leva o amor pelo time em sua roupa e ações. Vestida de azul celeste, com os brincos nas cores do LEC, a senhora está presente em todos os jogos do Londrina no Café e sempre junto da torcida organizada. “Em todas as partidas sou a primeira da fila. Sou a avó da torcida”, define-se com orgulho. “Estar aqui junto deles é uma emoção a mais. Acompanho o Tubarão desde a época que não tinha estádio”, completa a torcedora.

O SOM DAS CATIVAS

No lado oposto do palco esportivo, o esquerdo da ferradura, o torcedor é mais contido, analista e até mais crítico. Até chegarem ali, porém, os gritos dos torcedores disputam espaço com as barracas e vendedores ambulantes de bebidas, pipoca, churros, amendoim e sorvete. Já no chamado setor das cadeiras cativas está um marcante personagem do estádio em jogos do Tubarão: o “Luxa do Café”.

Com seu tradicional blazer preto, gravata e camisa do LEC, Wilson Barbosa Silva, 55, é ensacador aposentado. Entretanto, em dias de partida da equipe, ele encara seu papel de Luxemburgo alviceleste e torna-se uma espécie de segundo técnico. De um lado para outro, próximo ao alambrado, ele orienta os jogadores: “Vamos, vamos! A segunda bola! Olha os laterais!”, comanda com firmeza. Entre um compasso e outro, não deixa o cuidado de seus fiéis escudeiros, as crianças. “Não sobe aí que é perigoso”, diz ele, retirando um garoto do aramado.

“SOLTA A BOLA!”

O olhar é importante para quem acompanha uma partida de futebol, mas não significa que seja o principal. Com apenas 15% da visão, em decorrência de uma catarata congênita e de uma atrofia ocular, Almir Escatambulo, 34, acompanha o Londrina no Café sempre que pode. “Como não vejo o campo, vou acompanhando o que vai acontecendo pelo rádio e pela agitação da galera. Eu sinto a mesma emoção, mas de uma maneira diferente, e vou junto no ímpeto dos demais”, conta o técnico administrativo e estudante de Direito. “É um ambiente que traz liberdade”, acredita.

EXPERIÊNCIA IMERSIVA SOBRE DEPOIMENTO DE ALMIR ESCATAMBULO

Se alguns chamam atenção pelo que falam, outros fazem isso pelo que deixam de dizer. O Londrina está na frente do placar e sofre pressão do adversário. É quando uma pessoa vestida de power ranger azul entra no estádio. Sem esboçar uma palavra, atrai os olhares por onde passa. Após o apito final, o movimento diminui, o barulho dá lugar ao silêncio e o que fica é a expectativa para o próximo encontro, quando todas as vozes voltarão a se tornar apenas uma.

REPÚBLICA DO SERTANEJO

Assim como os povos que a formaram, Londrina é eclética quanto a seus ritmos. A segunda maior cidade do Estado é do clássico, MPB, samba, rock, pop, samba, choro e sertanejo. Este último, no caso, é um dos sons que mais embalam os londrinenses. A quantidade de bares, casas noturnas e shows realizados é prova disso. A ExpoLondrina e a grande presença de universitários são outros sinais de que o interior é a república do sertanejo.

Quando se fala em aproveitar os embalos deste som, que vem arrebatando adeptos em todo o País, a cidade consegue fazer isto com propriedade. É véspera do feriado da Proclamação da República. Enquanto muitos dormem, centenas de jovens, adultos e alguns já da terceira idade se aglomeram em uma casa de shows na zona sul. Apesar da semana estar ainda em seu início, a alegria é de uma sexta-feira antecipada para dançar, cantar e desfrutar as batidas do sertanejo madrugada adentro.

Enquanto a apresentação não se inicia, o espaço é democrático. Se a festa toca a famosa música latina “Despacito”, logo muda para as trilhas de Pabllo Vittar. Não demora para o verdadeiro dono da festa chegar: o sertanejo. De Jorge e Mateus a Henrique e Juliano, algumas das duplas do momento, o som já leva casais a arriscarem alguns passos na pista. Até a garçonete, com uma alegria de quem não parece ter uma longa jornada pela frente, faz o famoso “dois pra lá, dois pra cá”, enquanto serve algumas bebidas.

“Gosto da sofrência. Combina mais comigo”, responde e ri a jovem estudante de psicologia Ana Julia Oliveira, 19, se referindo ao famoso estilo sertanejo. “O único problema é que não sei dançar”, lamenta. “Adoro sertanejo porque é romântico e legal. Venho muito na balada e consigo aproveitar”, conta Larissa Stefani, 20, aluna de Ciências Contábeis.

“O SOM DA FESTA!”

Pontualmente às 2h da madrugada a dupla responsável pelo show da noite entra no palco sob palmas, canhões de luz, fumaça e os flashes das fotos dos smartphones do público presente. Trata-se de Mariana e Mateus, irmãos de 27 e 23 anos, respectivamente. Nascidos e criados no Parque Ouro Branco e Conjunto São Lourenço, ambos na região sul de Londrina, eles são genuinamente filhos do sertanejo interiorano do Paraná. “Começamos a cantar na igreja, depois bingo, até chegar nos barzinhos. Cada vez procuramos melhorar para conquistar mais”, relembram eles, que somam milhões de visualizações em seus vídeos no YouTube.

Apesar de atualmente estarem entre os principais representantes do ritmo na cidade, eles iniciaram na música com a MPB. Foi justamente a participação em um show sertanejo, em 2009, que definiu o novo rumo de suas vidas. “Agora está bem corrido. Todos os finais de semana estamos na estrada para realizarmos shows. É São Paulo, Minas Gerais, Santa Carina, Paraná. Sempre um lugar diferente”, destaca Mariana Candotti. “O sertanejo sempre foi forte em Londrina e isso fez diferença para nós. Temos compositores e um meio local muito positivo”, relata Mateus Candotti. Sertanejos famosos, como Fernando e Sorocaba e Luan Santana, mantêm forte relação com a cidade, mesmo não sendo daqui.

No show na casa noturna em que já foi residente – termo usado para um cantor fixo de um estabelecimento –, a dupla coloca todos para dançar. “Juízo ela deixou em casa, não cabia na sua bolsa. Hoje ela veio só, só pra beijar na boca”, diz o trecho da música de trabalho dos cantores. É nesta hora que a busca por um possível novo amor começa a se intensificar. Aqueles que não se arriscam, completam o tempo com selfies e vídeos para atualizar as redes sociais.

Entre uma canção e outra, os fãs e simpatizantes do ritmo, que vai misturando o gênero raiz com o atual, com mais batidas e instrumentos, ainda usufruem do clima festivo para conversar, “chorar as mágoas”, ou apenas se divertir. Afinal, a república do sertanejo não para.

MAR DE EMOÇÕES

Londrina é movida pelo som. A cidade dos festivais tem em sua essência a música clássica, erudita, contemporânea e popular brasileira. A relação substancial com estes tradicionais e variados estilos musicais vem, principalmente, do Coro e Orquestra da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Foi nas vozes e instrumentos de membros e estudantes da instituição, por meio dos grupos, que a culturalidade da cidade se fortaleceu e cresceu.

Fundado em outubro de 1972, o Coro da UEL celebra 45 anos de história em 2017. A Osuel veio mais tarde, em 1984, e regularmente realiza temporadas de concertos oficiais denominados “Temporada Ouro Verde” e “O Som que Toca a Alma”. Para comemorar o aniversário do coral, os dois grupos estiveram reunidos recentemente em uma apresentação digna de grandes festivais, que teve como cenário o coração da cultura londrinense: o Teatro Ouro Verde.

Diferente de outros ambientes, o pano de fundo do teatro é o silêncio. No palco, iluminado por diversas luzes de tons sóbrios, é o soar de uma flauta que dissipa a ausência de barulho. Com a italiana “L’Isola Disabitata”, surge uma intensa e instigante mistura de instrumentos, que vão dos violinos e violoncelos aos clarinetes e trompas.

Durante o concerto, o Coral da UEL se junta para um encontro de gala de dois movimentos que representam Londrina.

No centro, o maestro Alessandro Sangiorgi, com o girar de suas mãos, parece conduzir dois rios por longos e suaves caminhos, levando-os até se juntarem para formar um mar de emoções, em que o público mergulha e se refresca em uma musicalidade única. “É uma importância social ter uma agremiação de pessoas como esta. A cultura é fundamental para uma cidade, pois a música nos eleva para esferas superiores”, resume ele, que é natural de Ferrara, na Itália.

ALESSANDRO SANGIORGI
ALESSANDRO SANGIORGI

A cada canção, a plateia aplaude como sinal de referência ao carinho com as notas. No repertório, músicas em latim remetem às cantadas nas missas. Vozes, instrumentos e público louvam usando a música. “Londrina é boa por sua diversidade. O som que a cidade produz é variado e o nosso repertório, que é eclético, busca abarcar isso”, destaca Denis Pereira do Amaral Camargo, regente do Coro da UEL, já projetando a próxima apresentação, que será no dia 14 de dezembro, em comemoração ao aniversário da cidade.

A CIDADE QUE NÃO DORME

Como uma grande metrópole que é, Londrina não para nem mesmo quando chega a noite. É neste período que muitos londrinenses ganham a vida, trabalham para manter a cidade funcionando ou apenas aproveitam para se divertir, como se o amanhã fosse longe demais para deixar de aproveitar o agora.

A avenida Santos Dumont, que é caminho para o aeroporto, na zona leste, também parece levar seus transeuntes em outros voos. Se de um lado os aviões emitem seus sons com pousos e decolagens, do outro são os barzinhos e restaurantes que embalam. A mistura é tão democrática, que se em uma esquina o sertanejo é a trilha, na outra uma colorida jukebox toca um dos maiores sucessos da banda americana Red Hot Chili Peppers, enquanto os clientes riem em disputas de sinuca.

O SOM DA NOITE A LESTE
O SOM DA NOTÍCIA

No mesmo horário, na avenida Dez de Dezembro, dezenas de trabalhadores se movimentam de um lado para o outro sem dar lugar para o sono da noite. Em uma sincronia que lembra a de uma orquestra, homens correm contra o tempo para imprimir a próxima edição da Folha de Londrina. Dividindo espaço com máquinas gigantes, eles estão munidos de seus equipamentos de proteção sonora. Em meio aos altos ruídos do maquinário, os assobios funcionam como uma alavanca, que sinaliza que o jornal pode receber suas cores, que juntas se transformam em textos e fotos.

A 14 quilômetros dali, na principal via da zona norte da cidade, a cada quarteirão um bar, lanchonete, pizzaria ou trailer reúne amigos, namorados ou romances em seu início. No fundo de um destes locais, as canções da dupla João Mineiro e Marciano servem como trilha de papos sobre desemprego, futuro e o preço da cerveja. A Londrina boêmia não dorme.

O SOM DA NOITE AO NORTE

Na zona oeste, o silêncio predomina mesmo com o barulho das ambulâncias que vez ou outra chegam até a UBS (Unidade Básica de Saúde) do jardim Bandeirantes, e dos veículos que passam pela PR-445 em uma ponta da avenida Arthur Thomas, e da BR-369 na outra.

O SOM DA NOITE A OESTE

Referência da cidade noturna, a avenida Higienópolis não se intimida com a madrugada. Carros e motos vão emitindo seus sons em um movimento constante. Jovens ainda aproveitam para beber e “jogar conversa fora”, sob o olhar descontente de moradores.

O SOM DA NOITE AO CENTRO

PALADAR

Garfos e facas tilintam nos pratos. O cheiro da carne defuma o salão. O molho pinta o alimento em uma obra de arte. A comida dança uma valsa na boca e aquece a língua. É o paladar influenciado por todos os outros sentidos. Londrina é rica em boa comida e bebida, conhecer suas especificidades regionais é potencializar o seu sabor.

hummm…

Aquele cachorro quente com frango desfiado de fim de semana demonstra a peculiaridade da cidade, junto com ele, o pastel das feiras ou aquele com vitamina de abacate, a esfirra árabe que carrega a tradição de uma família, o bolinho de carne do Calçadão e o suco de todo tipo de fruta que vem em dois copos. Nós temos no pé a terra fértil que leva à boca o sabor da cultura e tradição. Bom apetite!

O CAMINHO DO PASTEL

“Tem de queijo, carne, palmito e frango. Tem frango com queijo, carne e queijo, palmito e queijo. Tem de pizza, também. O especial da casa acaba rápido, é de carne, queijo, ovo e azeitona… DOCE? Tem também! Tem de banana com canela e chocolate, é o preferido da minha esposa. Tem bolinho de carne, enroladão, coxinha de frango e de carne também. Vai um cafezinho ai?”

UMA CIDADE EM UMA XÍCARA

POR LAÍS TAINE

Osvaldo entra na padaria todos os dias de manhã e pede um café, o dele é sem açúcar e bem forte para “levantar defunto”. Enquanto isso, Ademar acorda cedo, coloca a água para esquentar na caneca – já com o açúcar – e, antes da borbulha, já está pronto para derramar o líquido no coador de pano antes de sair para o trabalho. Dois cafés. Duas Londrinas.

Em 1975, a geada negra dizimou a produção da região. Episódio triste daquela que foi considerada a capital mundial do café. Mesmo assim, tudo nela ainda lembra o passado, como a mãe que perde o filho, mas ainda deixa o quarto arrumado para sentir sua presença. Catuaí, Bourbon, Sumatra, Ouro Verde, Ouro Branco… Nossos cafés ainda vivem!

Vivem e os resistentes estão cada vez melhores. A poção mágica que sai da fruta está mais encorpada, robusta e imponente. Aqui se produz bom café. O grão e seu tempo de maturação, a curva da torra milimetricamente estudada, a moenda que define o grau de granulação e o modo de preparo. Eis os processos que podem tornar o café um produto especial.

Hoje, produtores de arábica estão se empenhando para atingir alto grau de qualidade, seguindo a avaliação da SCAA (Specialty Coffee Association of America), que considera fragrância, aroma e sabor. “Os aromas e sabores estão muito ligados a sua memória olfativa e degustativa. Então, quando você começa a degustar café, tem que prestar atenção em tudo que existe por aí para começar a identificar”, explica Patrícia Santoro, pesquisadora e coordenadora do Programa de Pesquisa em Café do Iapar (Instituto Agronômico do Paraná).

E quanta memória esse café carrega… A Roda de Aromas e Sabores, adaptação da roda para o vinho, apresenta 36 possibilidades de aromas no café e, mesmo assim, ainda é possível encontrar notas que não foram descritas no sistema. “Pêssego, maracujá, jabuticaba… A pessoa que montou essa roda não tinha acesso a esses sabores”, explica a pesquisadora.

PATRICIA SANTORO
PATRICIA SANTORO

A fragrância está no pó seco, o aroma na infusão e o gosto ao experimentar a bebida. Provar é deixar que a percepção identifique a história que conta aquele café: como foi produzido, torrado e extraído. O que se tem no final é uma epopeia em forma líquida. “Existem especialistas em torra. Conforme a torra, é preciso saber o melhor método de extração. É isso que o barista faz. Tudo interfere no café, todos tentando retirar o máximo que ele oferece. Corretor, mestre torrador, o barista, tudo está dentro da cadeia produtiva”, destaca Denílson Fantin, técnico do Programa de Pesquisa em Café do Iapar. No fim, se bebe uma história.

E como em uma narrativa, o café possui seus elementos. A finalização, que conta quanta saudade fica na boca após a prova. A acidez planejada para potencializar o gosto. O corpo que expõe a densidade. A uniformidade entre as dez xícaras degustadas. O balanço com o equilíbrio entre todos os atributos. Doçura que o deixa mais leve. E, quando se termina de provar o último capítulo, a opinião de quem o devorou.

Nesse processo, ganha quem provou a xícara que mais manteve os óleos contidos no grão. O pó preto apresenta um café queimado e o filtro é uma forma de extração que retém os óleos, por isso, Santoro indica os pós mais claros e feitos na prensa francesa ou na cafeteira italiana, que potencializam o gosto do bom café.

Tomá-lo pode ser mais que rotina, é uma viagem prazerosa ao passado. Com paladar mais apurado, é possível identificar: Londrina está na bebida. Uma cidade que nasceu e cresceu com base no cultivo, experimentou o doce da efervescência cafeeira e o amargo de ver a produção evaporar. Com a experiência, novas ideias e projetos para o grão, o futuro e o passado interligados. O sabor e a cultura de uma cidade em uma xícara.

VAI UM CALDO DE CANA AÍ?

A cada esquina, um caldo de cana para chamar de seu. No trailer do “Anão”, a parada é para descansar embaixo do toldo, admirando o ritmo mais próximo da ideia de praia que Londrina tem: o Lago Igapó. É o sabor de férias que escorre na garganta com o sumo da cana.

Atletas passam correndo, mães carregam suas crianças para brincar e um grupo de amigos se diverte no vôlei de praia em frente ao ponto. Para finalizar o dia, tomar uma garapa parece interessante. A bebida é popular, doce, natural, gelada. É tradicional, mas há quem ousa fazer diferente.

Arilson dos Santos mora a duas quadras dali. A esposa, Lilian Santos, vai juntando as frutas, gelo, água e ele pede ajuda para alcançar o coco. Engata o trailer no carro e vão os dois juntos para o local. Ela varre a calçada em alto astral, ele vai organizando os itens para receber os clientes em uma segunda-feira, dia tranquilo depois do domingo movimentado.

Essa é a rotina do casal há um ano, quando Santos largou o trabalho como assessor na Câmara Municipal para mudar a forma de se tomar garapa. Com experiência em serviços de barman, mistura a cana com frutas, inventando novos sabores. “Eu sentei em casa com a família para testar e selecionar as frutas”, conta.

Além do tradicional com limão, ele vende o Pequena Londres, com leite de coco, Brasileirinho, com abacaxi, Amorzinho, que vai morango e Soneca, que inclui maracujá. Os nomes foram escolhidos pelo casal, assim como o negócio: Garapeira du Anão, que faz menção à estatura do proprietário.

LILIAN E ARILSON DOS SANTOS
LILIAN E ARILSON DOS SANTOS

Em pouco tempo, Santos fez clientela. Ao terminar de montar o equipamento, chega Fernando César, técnico em telecomunicações. “Eu gosto do de maracujá, mas como vou trabalhar ainda, não posso hoje, por isso escolhi o de limão”, brinca. César passa pelo menos uma vez por semana no trailer e também já levou a esposa para provar. “Ela gosta do de coco”, afirma.

Misturar maracujá com cana precisou de uma dose de ousadia, mas parece que foi acertada. A fruta cítrica invade a doçura e potencializa o sabor da garapa. Por isso, das invenções, é o que mais sai. “Muita gente ainda vem direto no limão porque tem receio de experimentar algo novo ou nem percebe que existe outro tipo, mas quem testa os sabores novos, gosta mais do Soneca”, conta.

O Morango traz a acidez no paladar e compete bem. “Uma vez veio uma mulher grávida de Maringá para tomar o de morango”, recorda. Com público fiel, vem a intimidade para brincar. “Quando as pessoas vêm fazer pedido, elas falam que é primeiro o Amorzinho e depois a Soneca”, ri.

Bem-humorado, Santos toca o negócio e não tem problemas em dividir a experiência. “Eu troco informação com outros garapeiros de Londrina, não escondo como eu faço”, informa, lembrando que fez testes com limão rosa, uva e laranja, que ficaram muito bons em sabor, mas na prática encontrou dificuldades.

Com as inovações ou tradicional, o caldo de cana faz parte do sabor da cidade. Na feira, no Calçadão, no Igapó ou na avenida perto de casa, é fácil encontrar um local. Da moagem, sai o sumo fresco e natural. Gelado, vai bem sozinho ou acompanhado de um pastel. Não é difícil sentir Londrina com o doce da garapa, em qualquer dia da semana, sempre vai ter um disponível.

DE TODO JEITO, TILÁPIA

Londrina é umami. Um entre os cinco gostos fundamentais do paladar humano. Doce, azedo, amargo e salgado, nenhum define a cidade tão bem quanto a palavra japonesa que significa “saboroso”. Peixes costumam ter substâncias umamis. Em Londrina, a tilápia é a nossa principal representante.

Sentir Londrina é morder o empanado crocante das iscas fritas, saborear a carne branca grelhada entre os legumes, deslizar a língua pela textura do filé do peixe fresco… Salivar, mastigar, agradecer por termos à mesa um dos peixes mais consumidos do mundo.

Entre a chama divina que tudo transforma, um alimento se modifica e, em poucos minutos, a textura macia se incorpora. Ensopado, cozido, grelhado, assado, frito ou sem panela, nem fogo, a magia acontece com a precisão do corte do mestre de facas, que tira do filé o sashimi, e com a dose de tempero correta, um ceviche. Eis a alquimia que agrada a reis e plebeus, palmeirenses e corintianos, corpo e alma.

“Como é um peixe que se faz de várias maneiras, acaba sendo o coringa. Moramos longe do litoral, não vamos achar outro peixe branco fresco aqui”, explica Eduvaldo Yuzawa, proprietário da peixaria Nipopesca e restaurante japonês Sugoi, de onde saem mais de 400 kg de tilápia por semana. No entanto, mais que bons degustadores, sabemos produzir.

Segundo dados do Deral (Departamento de Economia Rural), da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná, a tilápia é a principal espécie produzida no País, representando 47,1% do total da piscicultura. O Paraná é o líder do ranking. A graça e o privilégio de ter na região e na cidade, peixe de qualidade.

Consumir cru é uma influência oriental. O sabor da imigração japonesa, que contribuiu para a fundação da cidade. Além das praças de nomes difíceis de pronunciar, Londrina carrega também as influências culturais presentes no alimento de quem veio de muito longe em busca de oportunidade. Sushi, sashimi, temaki hoje são populares e caíram no gosto dos londrinenses.

A tilápia entra no contexto, também é consumida crua, embora alguns ainda tenham receio. “As pessoas torcem o nariz porque acreditam que tenha gosto de barro. Mas os peixes de qualidade não possuem esse gosto. Por isso que saber a procedência faz toda a diferença”, enfatiza, explicando que peixes de frigorífico são depurados para eliminar o gosto de barro antes da venda.

Prato principal, entrada ou recheio, a tilápia está presente na mesa do londrinense nas mais diversas formas. “A gente sempre adéqua receitas que demandam outro tipo de peixe. É a qualidade de ter o produto fresco e a valorização do produto local”, informa a gerente do restaurante, Letícia Tadeo.

A carne é magra, saudável e pode ser uma entrada ou prato principal. E para quem quer começar a apreciar o sabor de Londrina, a gerente recomenda a tilápia. “É um peixe que não é muito gorduroso, agrada a vários paladares, é democrático. Seja para quem está iniciando, para quem não costuma comer, como as crianças, além de pessoas que saem da academia”, indica.

OLFATO

MEMÓRIA OLFATIVA

POR FRANCISMAR LEMES

O aroma que se sente ao chegar e sair de Londrina nos faz lembrar que a cidade cresceu com a força de trabalhadores da terra

O que seria de nós se não fossem os vislumbres ocasionais da vida? Nada, além de viver. Vivendo, apenas, não sentiríamos as coisas simples, quanto mais as complexas. Faltaria repertório e, ao final, talvez não entenderíamos por qual razão passamos por aqui.

Há que ter o domínio desta linguagem. Aprendendo mais do que o bê-á-bá dos sentidos. Não basta ver, ouvir, tocar e captar aromas e paladares da vida.

Ao se dispor a sentir, a chance é maior, podendo reunir conhecimento sobre o mundo, uma pequena cidade ou do quintal de casa.

Londrina é uma cidade em que os vislumbres ocasionais dão o sentido de ser pé-vermelho – no amplo e acolhedor entendimento do que é ser londrinense, já que muitos que chegaram não conseguem mais tirar a poeira dos pés, que gruda feito barro na sola do sapato.

Atravessar a passarela das réplicas do Big Ben em direção ao centro da cidade e sentir o cheiro de café torrado é um desses vislumbramentos diários londrinenses.

Pode haver quem feche a janela do carro ao passar por lá, mas até esses não esquecerão deste cheiro típico de Londrina.

O olfato é um sentido esquecido. Somente lembramos dele quando as substâncias dissolvidas no ar mexem com o nosso cérebro e emoções.

O cheiro de café torrado, por exemplo, desperta uma memória afetiva. A gente lembra de tanta coisa. A casa dos pais, dos avós, da companhia de bons amigos…

Não é preciso saber que Londrina já foi conhecida como a capital mundial do café e que o cheirinho do grão torrado vem da Companhia Cacique de Café Solúvel. Uma empresa fundada na cidade em 1959.

Mesmo assim, esse cheiro tem a nostalgia de uma época. A mesma da inauguração de outros marcos londrinenses, como o Teatro Ouro Verde (1952) e a Concha Acústica (1957).

O aroma, que se sente ao chegar e sair de Londrina, lembra que a cidade cresceu com a força de trabalhadores da terra e dos que assentaram cada tijolo da moderna muralha de prédios, que se vê do horizonte.

Os cheiros de Londrina são muitos. Aromas da cidade dos antigos palacetes dos barões do café, que deram lugar ao famoso corredor gastronômico da Avenida Higienópolis.

Anualmente, esses aromas se misturam em uma das mais importantes feiras agrícolas da América Latina, a ExpoLondrina (Exposição Industrial e Agropecuária de Londrina).

Mais uma vez, é hora de aprender com o bê-á-bá dos sentidos.

Lá estão o peão, o dono dos bois e o que vai com o dinheiro contado só para ver os animais.

Todos, igualmente, sujeitos aos cheiros, sabores e vislumbres da vida em Londrina. O nosso quintal e de onde percebemos o mundo.

PARA SENTIR DIFERENTE

Há um modo diferente de contar velhas histórias, como diria a poetisa Cora Coralina, no poema “Ressalva”. Também de sentirmos tantas coisas neste mundo. Assim vale para a vida, pessoas, cidades e lugares dessas cidades.

De natureza igual, é sentir alguns dos cartões-postais de Londrina, a exemplo do Bosque. Sabemos como é e está a área verde, mas num abraço de aniversário na cidade somos convidados a senti-la de modo diferente as suas velhas histórias.

Poucos sabem que o nome do Bosque é Marechal Cândido Rondon. Porém, muitos têm lembranças do antigo viveiro de aves e animais, que existia nas duas quadras doadas pela Companhia de Terras Norte do Paraná.

Lembrança também do terminal de ônibus na pista central. Época em que sabíamos de cor o nome de todas as linhas e bairros londrinenses.

Uma memória que desperta outras memórias, como o cheiro de pipoca quentinha e “dogão” com muita cebola e pimentão.

O ônibus do passado e dos sentidos desembarca nos dias de hoje.

“Os cheiros fazem parte da vida. A mistura entre o ser humano, as aves e os animais, na cidade, pode ter conflitos, mas, eu gostaria que o Bosque tivesse perfume de flores. Aqui é um bom lugar para flores”, avalia o serralheiro Júnior César Pereira, 38, que não mora nas imediações, mas passa sempre por ali.

Pegando carona na avaliação do rapaz, perguntamos para algumas pessoas qual o cheiro que o Bosque merecia ter. Cem por cento apontou o perfume de flores.

“Nunca parei para pensar em uma ideia para melhorar e mudar o cheiro do Bosque, mas percebo que num dia a gente passa por aqui e tem uma árvore bonita e no outro somente um buraco no lugar. Penso em como será daqui a 20 anos. Há pouco tempo, tinha flores, vermelhas, amarelas e roxas. Isso me deixava de muito bom humor”, destaca o estudante Nicolas Augusto Gonçalves, 17, morador da região.

Personagens do lugar, os jogadores de cartas aposentados passam as tardes na área verde. “Aqui o cheiro é natural, mas para mudar tem que fazer um negócio muito bem projetado”, acredita o aposentado Ademir Gomes Balbino, 53.  A maioria das pessoas tem dificuldade para sentir o Bosque com outro olhar e se apega ao que é evidente.

O casal de comerciantes Leilane Peres Rodrigues da Silva, 56, e Maurício Antônio da Silva, 59, consegue ter um modo diferente de contar velhas histórias. Para isso, Leilane tem que mostrar o que tanto cheira no lugar, que a maioria desconhece.

“Aqui tem uma árvore de pau-d’alho, que tem um cheiro forte, que se mistura ao que as pessoas reclamam. É este o cheiro que sentem sem saber”, mostra Leilane, espremendo uma folha nas mãos.

Leilane consegue fazer essa ressalva. Um modo de sentir diferente uma velha história.

DNA PÉ-VERMELHO

Londrina tem cheiro de peroba-rosa, impregnado nas paredes das antigas casas e nas entranhas da Mata dos Godoy, imponente unidade de preservação a 15 quilômetros da área urbana

O cheiro é flutuante. Não só porque esvoaça pelo ar, mas também porque paira sobre as nossas memórias e emoções. Se a ciência desvenda as razões para o despertar dos sentimentos ao descobrir que o sentido é vizinho da região das lembranças e da emoção, é difícil pôr em palavras o que as emanações nos causam.

Podemos arriscar e dizer que são capazes de nos tornar mais humanos, já que fazem sentir. E até nos transformam em poetas, posto que sentindo, fazemos digressões.

Tal é que, se quisermos conhecer ou viver a nossa cidade, aprendemos o que é Londrina, sentindo Londrina, parafraseando o escritor inglês T.S. Eliot que disse: “Aprendemos o que é poesia, lendo poesia”.

A palavra “londrinense” tem cheiros. Entre eles, o de terra molhada e outros não tão perceptíveis, mas que são a cara de Londrina, como o da madeira de peroba-rosa.

Ainda que mais perto das lembranças e da memória afetiva dos pioneiros, a cidade tem o cheiro da perobas-rosa impregnado nas paredes das antigas casas de madeira e imponente na Mata dos Godoy, uma unidade de preservação de 675,70 hectares a 15 quilômetros da área urbana.

Ao andar pelas trilhas da mata se aprende o que é Londrina, sentindo o cheiro nativo da cidade. Um perfume que desperta recordações até de quem pisa esta terra pela primeira vez.

O cheiro traz lembranças presentes no DNA da humanidade. Uma sensação primitiva e das primeiras que sentimos nas semanas iniciais de fecundação e que levaremos conosco como o sentido da vida.

EXPERIÊNCIA IMERSIVA NA MATA DOS GODOY

“Estou adorando a mata. Tem tanta coisa que eu não sabia! Me sinto feliz e abençoado por sentir o cheiro das árvores e das folhas caindo. Parece chuva vinda do céu!”, comparou João Ricardo Garcia Machado, 11, aluno do 6º ano do Colégio Estadual André Seugling, de Cornélio Procópio. O garoto fez parte de um grupo de estudantes em visita à Mata dos Godoy e que tivemos a oportunidade de encontrar.

Entre os pequenos visitantes, inicialmente, as câmeras dos smartphones exerceram predomínio sobre a real experiência de ver e ouvir a mata.

Ao contrário da visão e audição, que não precisam, necessariamente, da presença das coisas para conhecermos, o olfato prescinde do ao vivo para que possamos gostar ou não.

Afinal, temos um laboratório de análises clínicas sofisticado, capaz de detectar 1 trilhão de aromas e, a partir deles, trazer para perto de nós as nossas memórias, emoções e imaginação.

“Vi muitas espécies na mata. Nunca imaginei que uma árvore pudesse se chamar pau-d’alho e que tivesse cheiro de alho”, surpreendeu-se a estudante Camili Fernandes, 12.

Se a garota gostou de verdade? Difícil saber, mas pôde ter a experiência de sentir, com todo o seu DNA, o cheiro de terra que ainda combina com Londrina. A cidade que cresceu, mas mantém o pé-vermelho.

É a Londrina de personagens como o Zé da Mata, o José Ferreira da Silva, 47, o guarda-parque da Mata dos Godoy, desde 1989.

Zé mora na unidade de conservação e conheceu o pioneiro Olavo Godoy. “Encontrava sempre o seu Olavo andando de caminhonete por aqui. Ele dizia: Zé, a responsabilidade de cuidar da mata é de vocês”, lembra.

O guarda-parque aprendeu a lição do pioneiro. Não se cansa de andar pelas trilhas, ajudando a preservar a unidade e também a memória desta Londrina.

No final da visita, além do cansaço da caminhada, João Ricardo e Camili descobriram as cores dos pássaros, os barulhos das folhas, do vento e cheiros, que dão o sentido da vida em Londrina. Os moradores da cidade têm este sentido impregnado no DNA.

VISÃO

DE ENCHER OS OLHOS

Após oito décadas de transformações aceleradas, o progresso delineou paisagens únicas pelos quatro cantos da cidade

POR CELSO FELIZARDO

Quando os pioneiros chegaram a Londrina, no final da década de 1920, a densa vegetação nativa tomava conta da paisagem. Tudo o que se podia ver mata adentro era o pouco que as réstias de luz permitiam. Mesmo durante o dia, a escuridão predominava.

Com as primeiras clareiras abertas, tudo o existia eram ranchos precários em meio ao lamaçal. Mesmo sem poderem contemplar a imensidão daquelas terras que já tinham fama de serem as mais férteis do País, aqueles homens de visão prosseguiram.

O que era uma clareira se tornou várias. Na década seguinte, a floresta já estava distante. Em pouco tempo, ficou fora do alcance dos olhos. E, assim, o sertão se tornou metrópole. Após oito décadas de transformações aceleradas, o progresso delineou paisagens únicas pelos quatro cantos da cidade.

Do portão de casa, ao lado do Terminal Milton Gavetti, na zona norte, o técnico em eletrônica Sandro Tavares Brazão, 37, tem uma das vistas mais bonitas de Londrina. “Morar aqui é um privilégio. A cidade toda cabe na minha janela”, brinca. A composição do cenário enquadra o maciço de prédios do centro, os bairros da zona leste e, ao fundo, um pequeno pedaço da zona oeste. “Deste ponto a gente percebe o quanto a cidade cresceu. Quando eu era criança, vinha brincar aqui. Boa parte do que é cidade hoje era tudo chácara”, conta.

Brazão, que acompanhou de perto a instalação de um grande empreendimento comercial na região, diz torcer para que a cidade mantenha o desenvolvimento, mas não esconde a vontade de que um cantinho da cidade se mantenha intacto, longe do crescimento vertical. “Sei que é um sonho meu, mas queria ter essa vista para sempre. Estou torcendo para que os prédios demorem a chegar aqui”, diz.

O estudante Renato Fonseca, 27, que também mora na zona norte, utiliza todos os dias o Terminal Milton Gavetti e diz não enjoar da paisagem. “Olhando para essa vista a gente esquece um pouco dos problemas. O por-do-sol visto daqui é muito bonito”, ressalta.

Longe do agito do centro, uma Londrina ainda bucólica se descerra pelas curvas da Estrada do Limoeiro, na zona leste. Nem mesmo a alta velocidade de alguns motoristas parece quebrar o clima letárgico da localidade.

A tranquilidade e o contato com a terra atraíram a família Luz para o Limoeiro. Cansado do estresse da profissão de chef de cozinha, Felipe da Luz Prates, 32, hoje se dedica à produção de alimentos orgânicos e à jardinagem. “Esse contato com a natureza é impagável. Poder acordar de manhã e desfrutar dessa vista vale muito a pena”, diz.

No outro extremo, na zona oeste, Londrina se avizinha com Cambé em uma área conurbada. A paisagem é cortada por duas importantes rodovias: a BR-369 e a PR-445. Do alto do Parque Universidade, é possível ter uma visão geral da região, de bairros como Maracanã, João Turquino, Olímpico e Avelino Vieira. Já na região mais próxima ao centro, a zona oeste abriga a Avenida Pandiá Calógeras. Com seu túnel verde de sibipirunas, é endereço do Mercadão Shangri-lá. Passear pelos boxes é uma experiência sensorial única.

A zona sul também conserva seus encantos. Do alto de uma colina no Jardim Nova Esperança, o frei Nelson Raimann admira o horizonte todos os dias. Ali está instalado o Centro de Espiritualidade Monte Carmelo, espaço dedicado a retiros e à formação de freis carmelitas. A arquitetura com torres propicia a contemplação do panorama onde o olhar alcança desde o centro de Londrina até Apucarana. “Essa vista nos permite sair de nossa realidade, nos permite um olhar de fora de forma crítica, de análise. É um contato mais próximo de Deus por meio dessa natureza privilegiada de Londrina”, elogia o religioso gaúcho que mora há um ano em Londrina. “É uma cidade linda, com uma clima muito agradável”, acrescenta.

LONDRINA DOS GRANDES POENTES

Rendendo lindas imagens nas redes sociais, pôr do sol londrinense ganhou fama de ser “diferente”, motivando cada vez mais pessoas a fotografá-lo

POR PEDRO MARCONI

Assim como um rei que deixa seus súditos para repor sua força e realeza, também é o sol, que todos os fins de tarde se despede pouco a pouco para dar lugar à lua.

No município, até o hino o exalta. “Londrina das roças de espigas dobradas! Das filas cerradas de pés de café! Dos grandes poentes das tardes douradas”, traz o verso. Neste momento do dia, os desenhos das nuvens e a geografia interiorana se juntam para um lindo até logo, enaltecendo ainda mais os encantos de Londrina.

Principal cartão postal da cidade, o Igapó funciona como um espelho que reflete toda a resplandecência do declínio do sol. É como se pudéssemos afirmar com certeza: o nosso pôr do sol é realmente diferente. “Sou de Curitiba e sempre que estou em Londrina corro pelo lago. Essa paisagem do sol é uma motivação”, conta o promotor de vendas Maurício Silva.

Prova de que esta fase do dia faz sucesso na cidade são as redes sociais. Diversas páginas dedicadas à Londrina estampam dezenas de fotos do pôr do sol local. Nas páginas da prefeitura na internet, imagens como estas representam 30% daquelas enviadas para o executivo municipal. Logo em seguida vêm os registros do céu londrinense.

“Meus seguidores ficam esperando o fim da tarde para ver qual será a foto do dia”, diz a administradora de imóveis Ivanil Navarro, autora desta foto, feita na praça Tomi Nakagawa
“Meus seguidores ficam esperando o fim da tarde para ver qual será a foto do dia”, diz a administradora de imóveis Ivanil Navarro, autora desta foto, feita na praça Tomi Nakagawa

“Usamos as redes sociais para prestar serviço ao cidadão, mas também para fazer a promoção da cidade. Por meio de campanha, estimulamos as pessoas para que mandem e postem fotos do município”, explica Diego Souza, assessor de comunicação digital da prefeitura. Segundo ele, que alimenta as redes sociais junto com outro servidor, as fotos do pôr do sol de Londrina são as que mais geram repercussão entre as postagens.

A cada quatro publicações diárias, uma é a fotografia de algum ponto da cidade. “As pessoas tem falado que Londrina tem um céu diferenciado. Por isso, essas imagens acabam levando nossas belezas para fora, já que 40% dos seguidores do nosso Facebook não são de Londrina”, destaca.

A administradora de imóveis Ivanil Navarro é uma apaixonada pelo nosso poente. Todos os dias, ela posta uma foto do momento que o sol se despede em seu Instagram. “O pôr do sol passou a me chamar atenção quando comecei a caminhar no lago Igapó. As cores, as sombras, tudo é lindo. Quando o tempo está fechado acho que ele não vai aparecer, porém consegue surpreender a cada dia. Fico apaixonada por registrar”, conta. “Meus seguidores ficam esperando o fim da tarde para ver qual será a foto do dia”, ressalta a paulista radicada em Londrina há 26 anos.

Especializada em fotografia de arquitetura e interiores, Tatiana Galindo é uma apaixonada pelo pôr do sol de Londrina. O carinho é tanto, que em maio do ano passado criou uma conta na rede social Instagram com o nome “Londrina e seus céus maravilhosos”. “Sempre fotografei imagens do céu a partir do meu apartamento. Por estar localizado em um andar alto, proporciona uma vista privilegiada do horizonte da cidade. As nuvens, os reflexos e a textura são diferentes”, afirma.

Imagem registrada por Tatiana Galindo, especializada em fotografia de arquitetura e interiores: “A intenção é fazer as pessoas olharem as belezas da cidade e não só as coisas negativas”
Imagem registrada por Tatiana Galindo, especializada em fotografia de arquitetura e interiores: “A intenção é fazer as pessoas olharem as belezas da cidade e não só as coisas negativas”

“A intenção é fazer as pessoas olharem as belezas da cidade e não só as coisas negativas.” Uma de suas fotos fez tanto sucesso, que foi premiada internacionalmente e rodou por todo o mundo. O registro foi do rosado céu londrinense em um fim de tarde pós-chuva. Este tom que pôde ser visto no pôr do sol de Londrina é mais um que soma-se ao azul-marinho, azul-claro e laranja. São as cores que se juntam ao astro rei para decorar o que a maior cidade do interior do Paraná tem de mais diferente: seu céu.

TATO

Londrina de braços abertos. Das longas estradas, das roças. Que brota e floresce. O hino da cidade é um pouco de pele que sente Londrina. Do chão, do barro, do asfalto. O quente, morno e frio. O vento. O abraço. O tato.

Passear pelo Lago Igapó e perceber Londrina de uma forma diferente. A terra vermelha como ferramenta do agricultor, os pés das crianças brincando no asfalto quente, o Calçadão, um braile da cidade.

E o abraço… Aquele que cumprimenta e se despede. O que acolhe, que beija, recebe. Sentir Londrina na pele é uma poesia, um hino. Londrina, cidade de braços abertos.

UMA METADE, LONDRINA. E A OUTRA, TAMBÉM

Quando criança, Ana brincava com a irmã nos passeios que fazia com a mãe no Calçadão. A regra era que ninguém pisasse na parte branca do desenho, assim, as duas disputavam em um caminhar engraçado a habilidade para desviar dos quadrados pintados no chão. Quando uma apontava o erro da outra, a regra mudava: “agora ninguém pode pisar na parte preta!” E assim atravessavam a Avenida Paraná, no centro de Londrina.

O petit-pavè que cobre um coração é um braile que informa a região central. Projetado pelo arquiteto curitibano Jaime Lerner, em 1977, o Calçadão completa 40 anos no aniversário da cidade. Uma história que une e separa. A revitalização, iniciada em 2009, revelou o quanto um piso pode ser insubstituível quando se trata de história de uma região. Quanta saudade cabe em uma pedrinha preta e outra branca…

Não sendo tão cruéis, é possível dizer que o novo piso torna o caminhar mais leve. Carrinhos de bebê, bicicletas, cadeiras de rodas percorrem sobre o pavimento com mais tranquilidade. Uma fonte que refresca o chão e o ar também é bem-vinda, assim como os quiosques, que aos poucos estão voltando na tentativa de recuperar aquilo que foi um dia. Mas que falta faz o quadriculado preto e branco londrinense.

Os dois revestimentos coexistem e contam a história que cada um tem para oferecer. Local de encontros, da Palavra de Deus, da venda do chip para celular ao anúncio de compra de ouro. Local de protesto político, da fila do Cine Teatro Ouro Verde, das apresentações artísticas, do cafezinho. Da venda de artesanato, da interpretação de um Elvis Presley, das flautas peruanas. O Calçadão é um manifesto atemporal.

Entre um piso e outro, há hoje, nesse miolo, um ponto de encontro que transpassa e transborda. Dois estados se ligam, dois espaços divididos, dois tempos, duas metades. Rio de Janeiro e Paraná. Duas Avenidas. Meio paver, meio petit-pavè. Um atravessar de rua e de memórias. Um caminhar que assina na sola do sapato a textura de quem foi e quem é. Uma metade, Londrina. E a outra, também.

O DOM DE RECEBER

POR LAIS TAINE

Londrina é a menina que recebe a visita com sorriso no rosto. É o abraço, o afago, que cumprimenta feliz e se despede com saudade. A pele, o braço, o tato. Tem no DNA o dom de receber, de perceber que Londrina só é Londrina porque abraçou.

Os ingleses da CTNP (Companhia de Terras Norte do Paraná) chamavam quem vinha de fora. Paulistas, mineiros, estrangeiros foram recebidos e, como exemplo, abraçaram os que vieram depois, perdidos, sozinhos, em busca de oportunidade.

Oitenta e três anos se passaram, a cidade continua. Em véspera de feriado, o Terminal Rodoviário de Londrina viu chegar e sair gente de todo canto. Maria José Luciano, 69, freira no Rio de Janeiro, passou 20 dias com a família londrinense antes de partir.

E a partida dói. Abraços, o cair de lágrimas no rosto e as costas das mãos a enxugar e a esconder. Na despedida, todos ficam mais sentimentais. “Sou religiosa, tenho que me adaptar, mas sinto um aperto nessa hora… Quando entro no ônibus, eu desabo”, emociona-se.

O ônibus estava atrasado e enquanto não chegava, irmã e sobrinhos aproveitavam um pouco mais da união familiar, que promete se repetir no ano seguinte. Quando o aviso final chega, vem o abraço demorado, o encostar a cabeça nos ombros, o choro silencioso e o beijo no rosto. Com a distância dos filhos, Londrina é dramática.

Entre embarques, desembarques, trânsito e turismo, aproximadamente 193 mil pessoas por mês passam pelo Terminal Rodoviário de Londrina. Já no aeroporto, em outubro a Infraero registrou 78.297 idas e vindas. E a UEL (Universidade Estadual de Londrina), uma das principais motivadoras desse movimento, teve 14.219 candidatos de fora na primeira fase do vestibular 2017. A cidade é feita por gente de fora.

Uma amizade de 30 anos também é celebrada no pátio da rodoviária. Leda Enke, 68, veio de Jaraguá do Sul (SC) visitar a amiga Eunice Camara, 62. “Eu adoro vir para cá, adoro a cidade, a comida, as lojas”, brinca. Camara foi com o marido se despedir da amiga. “É horrível quando tem que ir embora, é sempre uma choradeira”, confessa.

Quem veio para estudar, como Leonardo Oliveira, 21, e Leonardo Fávero, 23, aproveita o feriado para se distrair um pouco. Os dois estavam de saída para Florianópolis (SC), ninguém para se despedir, o clima ameno.

Oliveira é estudante de Direito e veio de Minas Gerais, enquanto Fávero é da cidade vizinha, Arapongas, e faz residência em Medicina Veterinária. Moram em Londrina, saem rapidinho para uma folga, mas voltam. “Eu gosto muito de morar aqui. As pessoas me ajudaram bastante no começo, são solícitas, foi fácil me sentir integrado”, conta o estudante de Direito.

O ir e vir, filhos que vão e que voltam. Londrina abraça e se despede com a generosidade de uma mãe que cria o filho para o mundo. Não perde a ternura. Se pudesse, teria todos por perto, mas entende, ela se faz da passagem e se esforça para que a estadia seja como um acalento de vó. Vó, mãe e menina.

‘VIREI LONDRINENSE RAPIDINHO’

Em 83 anos, quantos já foram recebidos em Londrina? Arthur Thomas liderou o projeto de colonização no Norte do Paraná. Junto com os seus, o inglês construiu Londrina recebendo pessoas de várias pátrias e de todo canto do Brasil. O seu principal legado foi ensinar a receber e unir as forças para crescer.

O empresário Alan Thomas, 59, é neto de Arthur Thomas e vive em Londrina, onde é proprietário de uma escola de inglês. Na posição de quem foi abraçado pela cidade – e de quem foi ensinado a abraçar -, conta as histórias do avô pelos relatos do pai. “Meu avô sempre foi uma pessoa das palavras, ele tinha o dom de se comunicar com outras pessoas”, comenta, justificando os motivos pelos quais sempre estava disposto a receber pessoas de fora.

“Como o escritório da Companhia de Terras era em São Paulo, meu avô ficava metade do tempo lá e metade aqui. Quando vinha aqui era muito bem recebido por amigos como Celso Garcia Cid”, informa. “Essa base social era muito forte nele. João Milanez (fundador da Folha de Londrina) dizia que meu avô tinha enterrado uma garrafa de whisky na cidade e que ninguém tinha achado ainda”, brinca.

O pai de Alan, Hugh Thomas, único filho de Arthur, nasceu na Inglaterra, veio ao Brasil criança e voltou à terra natal para fazer os estudos. “Mas meu pai era mais londrinense que inglês”, destaca. Alan seguiu um pouco os passos do pai, nascido em São Paulo, foi para a Inglaterra estudar aos 8 anos e só voltou depois, aos 24. “Essa volta, emocionalmente fez muito sentido. Nós associávamos Londrina com os tempos bons de criança, à nostalgia”, recorda-se.

ALAN THOMAS
ALAN THOMAS

Entre idas e vindas, compreende sobre a importância de encontrar ajuda aonde quer que vá. “Eu fui bem recebido. Eu estabeleci minha vida aqui. Virei londrinense rapidinho. O povo de Londrina é muito caloroso, gosta de churrasco, que é o cerne do abraço”, sorri.

Ser bem recebido tratava de encontrar oportunidades e obter ajuda. “O imigrante sempre precisa ter alguém para recebê-lo. E a gente precisava ser recepcionado na Inglaterra e no Brasil, então a gente entendia a importância dessa recepção na adaptação. Aquilo que você sente na pele, entende mais fácil”, indica.

Avô e pai já não podem mais ensinar, mas Alan guarda com carinho o que sabe e enxerga a cidade com olhos de quem tem um legado a continuar. “Londrina é composta sempre por gente que está chegando. Essa tradição é muito forte na cidade. Seria injusto não recepcionar quem vem de fora”, finaliza.

“UM… DOIS… TRÊS… E…”

Aos 6 anos de idade, a pequena tagarela para de fazer bolo de areia de construção para buscar o gato de nome engraçado. Com os pés descalços, atravessa a rua desafiando o chão quente. Ela não é a única. Na turma de amigos, entre 6 e 13 anos, o calçado é uma opção. Até mesmo os teimosos de chinelos os deixam de lado na hora da corrida.

“Um… dois… três… e…” Antes do “já!” metade da turma já havia queimado a largada. Pezinhos morenos do sol e da poeira correm até o ponto decidido. Metade grita para voltar, reclamando o erro, outros continuam como se nada tivesse acontecido. Essa é a infância no Vista Bela, zona norte de Londrina. Lá, as crianças sentem na pele o gosto de criança de cidade do interior.

No fundo do bairro, os prédios do centro da cidade, a 10 quilômetros dali. A cosmopolita revela, entre asfaltos labirínticos, o clima de boa vizinhança, aqueles que não reclamam da gritaria, onde os pais não se preocupam e as brincadeiras correm soltas no chão do asfalto, sem muito brinquedo. “A gente brinca de pega-pega, esconde-esconde, pega-corrente, pega-junto…”, responde um.

O de 13 anos tem quatro irmãos e com dois deles pega ônibus todos os dias para a aula. A escola do local só foi inaugurada no último novembro, seis anos depois da entrega do bairro. “Quando eu crescer quero ser motorista de busão”, vislumbra. Mas a pequena tagarela diz que quer trabalhar de perguntar, como os repórteres da FOLHA.

Subir na árvore é esporte. As flores amarelas caem no chão com o balanço dos pés e mãos esfregando em seus galhos. O pulo de volta parece o de um super-herói, uma ginasta cravando, com maestria, os dois pés no chão.

Londrina tem 2.225,28 quilômetros de vias pavimentadas. As estradas ligam as cidades irmãs. Em algumas avenidas, os carros tomam conta, e em meio a tanto vai e vem do trânsito, os pedestres precisam ter um pouco de fé e coragem para atravessar.

Mas no Vista Bela a cidade de interior ressurge, não há perigo em deixar que as crianças sejam crianças. “Eu acho saudável, se eu deixo em casa é celular e videogame, é melhor deixar que brinquem na rua”, defende Ana Paula Davanço, mãe de um deles.

Apesar da brincadeira correr solta, todos têm um horário limite. “Eu brinco na rua e à noite vou para a casa e durmo. À noite é perigoso, tem o carro preto que leva criança embora”, conta a tagarela, enquanto os outros riem do depoimento.

As correias dos chinelos ficam marcadas. E entre longas passadas, sentem um pouco de Londrina em um chão quente. Correr, pular, brincar, tatear. A cidade se lê também, por meio da planta dos pés de uma criança.

A FORÇA QUE VEM DA TERRA

Mais de 22 mil londrinense ainda vivem na zona rural da cidade, trabalhando no mesmo solo fértil que tanto encantou os colonizadores

Deus modelou o homem com argila. Nascemos do barro e criamos raízes. Da terra vermelha, nasce Londrina. A fertilidade de uma mãe, a tinta que gruda no pé, o ponto de partida e de chegada. Sentir a cidade é reconhecer que essa terra fez nascer e crescer. Nos pés, nas mãos, na roupa, em tudo. Londrina é uma pintura tátil.

Foi com a propaganda de “Terra Roxa” ou “Terra sem saúva” que o cartaz da CNTP (Companhia de Terras Norte do Paraná) atraía compradores do projeto de colonização para a região. Paulistas e mineiros, em sua maioria, se interessaram pelo alto grau de fertilidade do solo.

E é dessa mesma terra que hoje, José Beteto, 59, sustenta a família. No patrimônio de Guairacá, o agricultor é um representante dos mais de 22 mil habitantes da zona rural da cidade. Nos 10 alqueires que cuida, criou os quatro filhos junto com a esposa, Ana Ribeiro Beteto, 58.

Com a enxada nos ombros, sobe o caminho que liga a casa e a plantação de soja. Acorda cedo, 6h, para tirar leite e cuidar dos animais: vaca, porco, galinha, abelha e peixe. “Se for viver da roça não dá não, você fica chateado. Tem que complementar com essas coisas”, explica.

Quando finaliza uma, outra tarefa já o aguarda. Plantar, capinar, arar, colher, é a terra como ferramenta de trabalho. “Tô procurando um feriado, aqui só para na hora de dormir”, conta em tom de brincadeira.

As mãos têm um pouco o tom da terra. Calejadas, mostram entre os vincos sua atividade. Beteto se abaixa, movimenta a terra com as mãos, encontra um galho invasor e puxa. Levanta, conserta a enxada e bate na terra em um só movimento reclamando da praga que acabara de combater.

A infância foi difícil. Andava 6 quilômetros a pé pelo poeirão até a escola. Estudava sabendo que tinha trabalho em casa. “Meu bornal era um saco de açúcar. Eu ia para a escola com o lápis, borracha, caderno e enxada. Naquela época, minha mãe assava peixe para não fritar e economizar gordura”, recorda-se.

Mas com o trabalho na terra, aprendeu e conquistou condições melhores. “Meus filhos todos foram criados aqui, pra eles também não foi fácil, mas já tinha energia. Hoje eles moram na cidade”, destaca. Para quem viveu da terra, não se vê fora dela. “Mesmo com as dificuldades, valeu a pena. Não pretendo sair daqui, o médico falou que eu tenho que mudar de profissão e eu perguntei: ‘vou fazer o quê, doutor? Se diplomado está procurando emprego’. Eu vou é cuidar das minhas coisas”, argumenta.

Solo e Beteto quase se confundem. Criatura e criador sem saber quem é quem. Da soja e da vassoura tira o sustento principal, mas come o que planta e orgulha-se: “muita gente vive do que eu planto aqui”. Do mercado, só compra sal, açúcar, farinha e óleo. Em casa produz arroz, feijão, legumes e verduras, a carne também é a que ele mesmo cuida. “A gente vende o que sobra do consumo. Vai para amigos, vizinhos, parentes, pessoal daqui que já sabe que eu vendo…”, explica.

Dos 1.715,897 quilômetros quadrados de território oficial da cidade, 90% é rural. Londrina nasceu por conta da terra e se fortaleceu com ela. Dos pés de cafés à soja de Beteto, a cidade continua. Com pés no chão, Londrina caminha deixando sua marca dos pés vermelhos por onde passa.

NO MEIO DA CIDADE TEM UM LAGO

O tato abraça o Igapó, faz dele um ato cinestésico e mostra, na pele, que o local tem mais a oferecer que o seu visual bonito

O rapaz passou correndo com tornozelos fortes ao pisar os pés no chão. As pedras se movimentaram, deslocando-se pela pressão. No Lago Igapó, o pai segura a mão do filho. O pescador entra até os joelhos na água fria. A sombra esconde um sol quente. 29ºC marcados em um fim de tarde de novembro. A placa para doar agasalhos revela uma cidade que também tem frio.

Caminhar pela trilha e sentir a brisa, encontrar casais, atletas, famílias. “Aqui estamos dentro da cidade, mas parece que não. O ar é mais fresco, é o contato com a natureza”, menciona Gislaine de Souza. O passeio escolhido com marido e filha evitou que a família fosse para um shopping.

Foi um problema de drenagem do Ribeirão Cambezinho que deu origem ao Igapó, que em tupi significa transvazamento de rios. O lago foi inaugurado no aniversário de 25 anos da cidade, em 10 de dezembro de 1959.

Na gestão de Dalton Paranaguá (1969-1972), 10 anos depois, foi revitalizado incluindo a construção do Zerão e Centro Social Urbano com projeto paisagístico de Burle Marx. Em 1996, precisou ser esvaziado e limpo, quando também ganhou a ciclovia, o teatro, jardins e chafariz.

Desde sua formação, é impossível imaginar a cidade sem ele. O que teríamos no lugar do Igapó? O que seriam das avenidas e bairros em torno dele? Mais que cartão postal, é o passeio, o esporte, o respiro e o frescor. Londrina sem o Igapó, como seria nossa percepção da cidade?

“Aqui é bem fresquinho, quando eu trabalhava perto, vinha na hora do almoço, tirava o tênis e pisava na grama. Era gostoso. É bom descarregar as energias”, conta o estudante Danilo Sousa, que diariamente sentia a cidade sob os pés, agora visita o lago com menos frequência.

O espaço é ponto de encontro para amantes de esportes ao ar livre: corrida, vôlei, bicicleta, remo, canoagem, pesca. “Tem brisa gostosa no final da tarde, bem mais fresco andar aqui por dentro. É um local para desestressar, amenizar a ansiedade, se acalmar. É essencial para o ser humano, seria bom se todo mundo tivesse o privilégio”, ressalta Elida Mota, se alongando no fim da sua caminhada.

No complexo de lagos, cada parte tem a sua característica. No aterro, cães pisoteiam no gramado enquanto se socializam por meio de seus tutores, que se organizam em grupos formados por rede social. Um personal trainer faz com que o suor escorra no rosto cansado de quem respira ofegante insistindo colocar o ar para dentro.

Nos campos de vôlei de areia, um grupo se prepara para iniciar o jogo. “Aqui a gente sente o pé na areia, o contato com a natureza, possibilidade de andar descalço”, descreve o designer gráfico Junior Zamuner. “Quando eu era pequeno, meu pai me levava para pescar na barragem. Não era o ato de pescar que era legal, mas o ato de estar com a família”, recorda-se.

Sentar à sombra e respirar fundo. Deixar que o vento balance os cabelos, refresque a pele de um dia quente. Deixar que os pés descalços sinta o frescor da terra e passear as mãos na textura da grama.

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#SINTALONDRINA 83 ANOS

DATA DE PUBLICAÇÃO 9 de Dezembro de 2017

TEXTOS

Pedro Marconi, Laís Taine, Francismar Lemes e Celso Felizardo

IMAGENS

Anderson Coelho, Gustavo Carneiro, Saulo Ohara, Ricardo Chicarelli, Marcos Zanutto, Gina Mardones, Patrícia Maria Alves, Pedro Marconi, Laís Taine

ILUSTRAÇÃO Gabriel Curtti

PROJETO GRÁFICO E DESIGN (IMPRESSO) Anderson Mazeo (WEB) Patrícia Maria Alves

APOIO LOGÍSTICO

Sérgio Fávaro, Zenil Costa, Vander de Silvio Martins, Jenes de Almeida  

INFOGRAFIA José Marcos da Silva – Folha Arte

EDIÇÃO DE TEXTOS Gisele Mendonça

PRODUÇÃO/EDIÇÃO MULTIMÍDIA Patricia Maria Alves

SUPERVISÃO DE PROJETO Adriana De Cunto (Chefe de Redação)

AGRADECIMENTOS

RADIO PAIQUERÊ AM E AOS MÚSICOS GISELE ALMEIDA, CORPSIA, TERRA CELTA, SARARÁ CRIOLO E SOM LIVRE QUE GENTILMENTE CEDERAM SUAS CANÇÕES PARA ESTE PROJETO.